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Matar o tempo não é um assassinato: é um suicídio. – Bernard Berenson

A impossibilidade de saber quanto tempo nos resta é uma benção e uma maldição. Se por um lado nos protege da aflição de ver nosso fim se aproximando, por outro incentiva a irresponsabilidade que é viver como se dispuséssemos de um estoque infinito de tempo.

Quase todo mundo tem a sensação, mesmo que de forma eventual, de que veio ao mundo “para algo grande”, que está destinado a influenciar de forma decisiva, que tem uma ou duas palavras a dizer. Por conta disso, fantasiando um futuro brilhante, não investe no presente.

Conheço vários quase atletas. Só no meu bairro há uma meia dúzia de medalhistas olímpicos. Pena morar num país de terceiro mundo, que não tem estrutura para descobrir e lapidar tanto talento.

Jogadores de futebol então, é só entrar numa sala de aula do ensino médio e sair com um punhado de Neymares, com penteados de galináceo e tudo. As meninas contribuirão com várias atrizes, modelos, uma engenheira, uma médica. Uma ou outra bailarina também dará o ar da sua graça.

E para onde vai tanto talento? Por que todos esses sonhos não se realizam?

Por que não passam disso. São só sonhos. Falta-lhes o combustível que é fornecido pela constância; pelo trabalho duro; pelo foco que deixa de lado prazeres momentâneos, pequenas recompensas mas vai moldando o corpo e o caráter.

Os meninos que invejam o estilo de vida do Cristiano Ronaldo deveriam pesquisar sua biografia, ou, no mínimo, atentar para o fato de que seu arsenal inclui chutar com precisão com qualquer dos pés, cabecear com uma pontaria mortal, correr como um desesperado, mais um constante cuidado com a saúde e a imagem. Marrento? Sim. Mas ele se garante.

Duro é um aguentar um zé mané que teve um brilhareco de fim de semana referir-se a si próprio na terceira pessoa.

Talvez a grandiosidade da tarefa, as dificuldades do trajeto, o medo de não conseguir, acabem por desencorajar a maioria dos postulantes. Melhor ficar com a ideia de que “se-eu-quisesse-podia-ser” do que confrontar-se com a própria limitação.

Melhor consolar-se com a crença de que teria feito algo grande se as condições fossem melhores. Manter as expectativas baixas é um jeito de proteger-se das frustrações.

As narrativas que criamos para explicar nossas vidas, aquilo que dizemos a nós mesmos, tornam-se quem nós somos.

Mas deve ser horrível acordar uma manhã, olhar-se no espelho e concluir que, em nome de uma vida sem sobressaltos, de uma alegria mediana, por medo de arriscar, para evitar decepções, por uma prudência exagerada, ficamos com uma maçã imaginária que, como se sabe, tem gosto de isopor.

Guardadas as proporções é como olhar a festa inteira para uma moça bonita, não convidá-la para dançar e vê-la, ao fim da festa, ir embora com um feioso. Feioso mas com atitude!

Um futuro melhor é o resultado de um agora melhor. O futuro não está pronto, não é inexorável, cabem-lhe emendas. E a graça de não conhecê-lo é que podemos construí-lo à nossa maneira.

É claro que existem variáveis que não controlamos nosso futuro não depende só da nossa dedicação. Mas trabalhar na margem de manobra que nos é exclusiva é o que esquentará os invernos da nossa velhice.

A convicção de que não nos economizamos que fomos pacientes mas determinados, que não aceitamos a paz rasa que é fruto da resignação deve ser suficiente para que exibamos um rosto cheio de rugas, o andar um tanto vacilante mas acompanhados de uma serenidade e de uma generosidade que só é possível quando se compreende que não existem grandes milagres, que, na verdade, eles são a soma de milhares de pequenos milagres, aquilo que nós, sozinhos ou acompanhados teremos construído.

Alvaro Loro – Storyteller

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