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“Quanto mais todos nós fizermos o pouco que podemos, menos cada um de nós terá de fazer para manter todos felizes e seguros. Não estou falando de sacrifícios supremos, estou me referindo a pequenas escolhas diárias que contribuem para criar uma rotina de coragem moral” – AbdullahiAnNaìm – Citado no livro Allah, Libertyand Love, pg.218

A generosidade é a virtude do dom. Não se trata mais de “atribuir a cada um o que é seu”, como dizia Spinoza a propósito da justiça, mas de lhe oferecer o que não é seu, o que é de quem oferece e que lhe falta.

A generosidade é mais subjetiva, mais singular, mais afetiva, mais espontânea, ao passo que a justiça, mesmo quando aplicada, guarda em si algo mais objetivo, mais universal, mais intelectual ou mais refletido. A generosidade parece dever mais ao coração ou ao temperamento: a justiça, ao espírito ou à razão.

Solidariedade é comunidade de interesses – solidariedade subjetiva – do ponto de vista moral ela vale tanto quanto valem os interesses, que não valem nada. Solidariedade é muito mais a ausência de um defeito do que uma qualidade. É demasiado interessada ou demasiado ilusória para ser uma virtude. Nada mais é que egoísmo bem entendido ou generosidade mal entendida.  

Solidariedade pertence ao universo dos interesses convergentes ou opostos, dos diferentes corporativismos, ainda que fossem planetários, dos lobbies de todo tipo, ainda que fossem legítimos. Não venhamos com histórias. Não é de solidariedade que a África ou a América do Sul necessitam, mas de justiça e de generosidade.

Sem querer reduzir tudo a uma questão de dinheiro, pois se pode dar outra coisa, não omitamos, porém, que o dinheiro tem o mérito, e até serve para isso, de ser quantificável. Certo, o dinheiro não é tudo. Mas por que milagre seríamos mais generosos nos domínios não financeiros ou não quantificáveis? Por que teríamos o coração mais aberto do que a carteira?

O inverso é mais verossímil. Como saber se o pouco que damos é generosidade, de fato, ou se é o preço de nosso conforto moral, o precinho de nossa conscienciazinha tranquila?

Mas deve-se distinguir, ou mesmo opor, amor e generosidade? Claro, a generosidade pode não ser amante, mas o amor é quase necessariamente generoso, pelo menos em relação ao amado e enquanto ama.

Pois se é possível dar sem amar, é por assim dizer impossível amar sem dar. Ser generoso é ser livre de si, de suas pequenas covardias, de suas pequenas posses, de suas pequenas cóleras, de seus pequenos ciúmes… Descartes: “generosidade consiste numa firme vontade de agir bem e no contentamento que ela produz.”

A generosidade é ao mesmo tempo consciência de sua própria liberdade e firme resolução de bem usá-la. Consciência de ser livre, confiança no uso que se fará disso.

É por isso que a generosidade produz autoestima: ser generoso é saber-se livre para agir bem e querer-se assim. O homem generoso não é prisioneiro de seus afetos, nem de si; ao contrário, é senhor de si e, por isso, não tem desculpas nem as procura.

A generosidade é o contrário do egoísmo, como a magnanimidade o é da mesquinharia.

Poder-se-ia preferir, é claro, que o amor bastasse. Mas, se ele bastasse, teríamos necessidade de ser generosos? O amor não está em nosso poder, nem pode estar. Quem escolhe amar? O que pode a vontade sobre um sentimento? O amor não se comanda, a generosidade sim: basta querer.

O amor não depende de nós, é o maior mistério, por isso escapa às virtudes, por isso é uma graça, e a única. Dar, quando se ama, está ao alcance de qualquer um. Não é virtude, é graça irradiante, é plenitude de existência ou de alegria, é efusão feliz, é facilidade transbordante. Será mesmo dar, já que não se perde nada?

Só precisamos de generosidade na falta de amor, e é por isso que, quase sempre precisamos. A generosidade, como a maioria das virtudes, obedece a seu modo ao mandamento evangélico.

Amar ao próximo como a si mesmo? Se pudéssemos, para que a generosidade? E para que nos mandar amar, se não podemos? Só se pode ordenar uma ação. Portanto, não se trata de amar, mas de agir como se amássemos, com o próximo como com nós mesmos, com um desconhecido como com nós mesmos.

Seria melhor o amor, é claro, mas a generosidade é melhor que o egoísmo. Ser generoso, diria eu, é esforçar-se por amar e agir em consonância disso.

Notemos, para concluir, que a generosidade, como todas as virtudes, é plural, tanto em seu conteúdo como nos nomes que lhe prestamos ou que servem para designá-la. Somada à coragem, pode ser heroísmo. Somada à justiça, faz-se equidade. Somada à compaixão, torna-se benevolência. Somada à misericórdia, vira indulgência. Mas seu mais belo nome é seu segredo, que todos conhecem: somada à doçura, ela se chama bondade.

Alvaro Loro – Storyteller

3 pensamentos sobre “Generosidade

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