crianaça jogando futebol no campo cheio de água

Uma jornalista perguntou à teóloga Alemã Dorothee Söle:

-Como a senhora explicaria a um menino o que é a felicidade?

-Não explicaria – respondeu – daria uma bola para que jogasse.

O episódio, citado por Eduardo Galeano no seu “Futebol ao sol e à sombra” ilustra o fascínio que o futebol exerce sobre crianças e adultos.

O futebol, que cresceu junto às fábricas inglesas da revolução industrial como uma possibilidade de amenizar a dureza do trabalho e uma forma de criar um espírito de time, de “estamos juntos”, continua a desempenhar esse papel nos dia de hoje.

Embora tenha se transformado num fenômeno social, um artigo de consumo de primeira necessidade, o futebol continua democrático: nas peladas o gerente pode ser repreendido pelo Office boy, o dono da cobertura iguala-se ao porteiro e o pedreiro pode ser buscado em casa pelo chefe da obra, com direito a sentar-se no banco da frente, se for decisivo para o time.

Nos debates e mesas redondas das arquibancadas e bares, a opinião de um doutor e a de um analfabeto recebe o mesmo tratamento – não é ouvida -, e quando o é, é para ser imediatamente repelida já que de futebol todo mundo entende.

Torcer pelo mesmo time é pertencer a uma tribo. Usar as mesmas cores atrai boa vontade, se o motorista à sua frente cometer alguma barbeiragem é imediatamente perdoado, desde que ostente o adesivo com o símbolo do seu clube no vidro traseiro.

Já vi brasileiro vestindo a camisa da seleção argentina.

-Não torço por país, me disse. Torço pelo futebol. Talvez o 7 x 1 explique.

Até no Oriente Médio tão conflagrado, torcer pelo mesmo time é a única possibilidade de xiitas, sunitas, alauitas e outros grupos étnico-religiosos sentarem-se juntos e confraternizarem, esquecidos momentaneamente de suas diferenças irreconciliáveis.  

As crianças não entendem de questões políticas, étnicas ou de religião. Para qualquer uma, qualquer outra que tenha uma bola é um amigo potencial.

Pensando bem, não estou seguro sobre esta última afirmação. Os telefones celulares e outras modernidades, com suas possibilidades de jogos online, substituem os campinhos tragados pela expansão imobiliária.

Mas, mesmo com toda a tecnologia, uma bola é sempre uma possibilidade de diversão. Grande parte das boas lembranças de muita gente está ligada a uma bola, a um time, a tardes ensolaradas em que encarnaram a celebridade futebolística da época.

Mesmo o velhote mais esquecido, daqueles que vão ao mercado com duas listas, recita de cabeça a escalação de seu time preferido de trinta anos atrás.

Há quem acredite que o futebol acompanha o sujeito além-túmulo. Nelson Rodrigues, numa de suas crônicas exortava: “Ninguém pode faltar ao Maracanã domingo, e incluo os fantasmas na convocação: a morte não exime ninguém de seus deveres com o clube”.

Os estádios são isso: locais onde se tira férias temporárias da vida e se reverenciam deuses falhos, fugazes, mas com capacidade para dar sentido a construções enormes que de outra forma não passariam de locais insossos.

Nada mais melancólico do que estádios vazios. No futebol como na vida a diferença são as pessoas. Vivas ou mortas.

O futebol transita entre este mundo e o outro, vivos morrem a cada decisão perdida, mortos ressuscitam na saudade gostosa de jogos ouvidos pelo rádio.

O desejo de repartir é tão grande que na Nápoles italiana, pobre e desprezada pelos ricos do Norte, as festividades pelo tão sonhado título nacional, finalmente conquistado em 1987, incluíram uma pichação nos muros do cemitério municipal onde se lia:

“VOCÊS NÃO SABEM O QUE PERDERAM!”.

Alvaro Loro – Storyteller

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